Perto das sombras
O céu permaneceu azul, os pássaros continuaram a cantar e as flores floresceram da mesma forma, mas naquele interminável corredor, percorre um grito calado que petrifica os corações e incute em nós o mais português dos sentimentos, saudade…
Com os rostos pálidos, os véus negros e um temor na voz realizam os processos já mecanizados. Observo estes visitantes arrastarem-se para junto dos seus entes queridos que outrora abraçaram, sendo agora só o vento a mais próxima das carícias trocadas. Ficam, as promessas, as memórias! Porque só estas são capazes de os fazer sorrir.
Lar de heróis sem nome, esquecidos pelo tempo que passou depois da Primeira Guerra Mundial, assim como outros anónimos que lá residem nas suas humildes moradias de terra. Aqui somos todos iguais, todos partilhamos os olhares atentos dos corvos que tornam este lugar ainda mais nostálgico.
Apesar de toda a negatividade, este é desde 1870, um lugar de reencontros. Porque é sempre difícil dizer adeus…
António Ferreira é talvez a prova de que o mundo é cruel. Viu o pai e a irmã fugirem-lhe pelos dedos, vítimas das pestes dos dias de hoje, cancro e um ataque cardíaco. Acordado num sobressalto sem hipótese de pensar que seria um pesadelo, ficando assim muito por dizer. Porque ”Sempre se deixa”… Encontra nas suas visitas semanais uma espécie de escape da vida stressante da cidade desabafando, pedindo concelhos sem resposta… ter aquele colo.
Aida tinha 19 anos quando viu desaparecer o seu irmão na guerra colonial. O seu ”mundo desabou”. Um rapaz muito “destemido”, piloto da força aérea colhido aos 22 anos, viu assim o seu futuro profissional e a sua vida de recém casado destruído por uma guerra sem lógica. Cheio de vida, brincava com a família. Quando realizava os seus voos passava sempre pela casa da família, recorda assim “o Carneiro” que gostava de “dar passeios de jato” e fazer com que as janelas abrissem. Todos já o conheciam.
Aida tem “a família reunida” num jazigo e mesmo com os muitos hobbies que realiza nunca se esquece de fazer a vontade ao pai “de lhe por uma florzinha”.
Enquanto caminhei muitas foram as historias que ouvi, neste dia de reencontros. O dia acabou mas hoje as luzes continuam a brilhar.
The girl...